Miguel Pereira, um exemplo de arquiteto. Por Gilberto Belleza
26 de maio de 2014 |
Muitos colegas não conhecem a dimensão dos trabalhos profissionais dos arquitetos que militam pela profissão, acreditando que essas atuações se dão, única e exclusivamente no papel político.
A perda de nosso colega Miguel Alves Pereira explicita muito bem essa situação.
Nascido em 18 de agosto de 1932 na cidade gaúcha de Alegrete, foi formado em 1957 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, teve desde seu tempo de escola e posteriormente na vida profissional, um papel preponderante na defesa da atuação dos Arquitetos e do ensino.
Desde cedo, militando na juventude comunista do PCB – Partido Comunista Brasileiro, foi escolhido na formatura, como orador da turma.
A vida de arquiteto possibilitou uma atuação pratica, produzindo, junto com outros colegas arquitetos, algumas casas unifamiliares, com grande influencia de Mies Van der Rohe.
Essa atuação foi paralela em toda vida, por uma grande participação em Concursos de Arquitetura, onde frequentemente venceu, ou obteve premiações nesses concursos.
Dessa fase podemos citar o Primeiro Lugar do Museu – Monumento a Pedro de Toledo em São Paulo,o Primeiro Lugar no Instituto Concórdia de São Leopoldo, o terceiro lugar no Departamento Federal de Segurança Publica, em Brasília, o terceiro lugar para a Sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, e o quarto premio para a Biblioteca Central da Bahia.
Muitos desses trabalhos foram resultado de sua sociedade com J. C. Paivada Silva e IvanMizoguchi.
Um de seus mais importantes trabalhos foi a Refinaria Alberto Pasqualini, com Moacir M. Marques,Carlos FayeteCláudio Araújo. Um trabalho de 140.000m². Foi um trabalho que se destacou no processo construtivo, pois desenvolviam uma pesquisa de pré moldagem na vanguarda da produção brasileira, em paralelo com outras duas experiências que também aconteciam no Brasil em 1962, como o Instituto de Tecnologia e pavilhões de Serviço da UnB (“Minhocão”) de Oscar Niemeyer e Lelé, e o CRUSP, Conjunto Residencial para os estudantes da USP, de Eduardo Kneese de Mello.
Outro de seus trabalhos expressivos, é a Biblioteca Central da Universidade de Brasília, de 1970, com José Galbinski, Jodete Sócrates e Walmir Aguiar.
A partir da década de 80, teve a oportunidade de desenvolver vários trabalhos, nos escritórios de Nestor Goulart Reis Filho,Joaquim Guedes, como associado, e Gilberto Belleza e Maria Clara Batalha, como sócio.
Toda essa atuação aqui resumida, não o impediu de ter uma intensa e permanente atuação política, que se iniciou no Instituto de Arquitetos do Brasil, sua casa principal por toda a vida, ou como ele dizia sua “segunda escola de Arquitetura, como uma segunda escola de aprendizado da profissão”.
Já em 1961 foi Vice-Presidente do IAB Departamento do Rio Grande do Sul, na gestão de Irineu Britman, logo em seguida assume a Presidência do Departamento, onde em 1964 o IAB-RS tem um importante papel de resistência a Ditadura, paralelo a “campanha da legalidade”, liderada pelo então governador Leonel Brizola.
Em todo esse período manteve também uma atuação como professor na FAU da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em 1968 parte para Brasília, por convite dos estudantes e do IAB para participar do processo de reabertura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB.
Isso culminou com sua indicação para diretor dessa Faculdade, e para a Presidência, por dois mandatos (1972-73 e 1974-76) da Direção Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Em 1973, foi um dos responsáveis pela criação da ABEA – Associação Brasileira de Escolas de Arquitetura, ocorrida na FAU da UnB, onde era o Diretor.
Também em 1973 foi um dos responsáveis, junto com Oswaldo Correa Gonçalves pela realização da I Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, patrocinado pelo IAB, pela Fundação Bienal e pelo BNH.
Nessa sua gestão, também foi responsável pela organização do IX Congresso Brasileiro de Arquitetos, ocorrido em São Paulo,em 1976, no inicio do processo de Abertura política do regime militar. A presidência do IAB/SP estava nas mãos do arquiteto Benno Perelmuter. O momento especial, e a falta de um espaço democrático de discussão, gerou uma participação de mais de 6.000 pessoas, vindos de todo o pais.
Após o fim de sua gestão na Direção Nacional do IAB, Miguel optou por aprofundar sua vertente intelectual. Embasou seus estudos na Rice University School of Architecture, University of Califórnia School of Environmental Design, nos Estados Unidos, e Architectural Association e University of Sheffield School of Architecture, na Inglaterra. Seus campos de atuação foram a Arquitetura Brasileira após Brasilia e os textos de Oscar Niemeyer.
Com a volta ao Brasil, na década de 1980, volta ao campo didático como professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, e arquiteto no escritório de Nestor Goulart Reis Filho.
Não abandona sua atuação no IAB, retornando como membro vitalício do Conselho Superior, e também como arquiteto associado ao escritório Joaquim Guedes.
Essa atuação resulta numa nova recondução a Presidência Nacional do IAB, para o mandato 1989-1991, com um novo tempo político, agora eleito como representante de São Paulo, sua nova casa.
Essa nova gestão o levou a uma atuação mais ampla internacionalmente, o que culminou, no fim de sua gestão, com sua indicação para o Conselho da União Internacional de Arquitetos, a UIA.
Sua dedicada e intensa participação o levaram a assumir a Vice Presidência da UIA, em 1999, e posteriormente, sua influencia e atuação nesse campo, levaram o Brasil a alcançar a Presidência da UIA, com o colega Jaime Lerner, lançado pelo próprio Miguel Pereira.
Mais recentemente, teve como sempre, um importante papel na construção do Conselho próprio dos Arquitetos, o CAU, Conselho de Arquitetura e Urbanismo, tendo sido eleito após a criação, como primeiro conselheiro federal por São Paulo.
O forte AVC que teve em novembro abreviou sua atuação no CAU, mas não foi capaz de ceifar o importante e essencial papel que teve na Arquitetura Brasileira, na defesa do papel do arquiteto entre seus pares e na Sociedade Brasileira e Internacional.
*Gilberto Belleza é amigo de Miguel Pereira e coautor em diversas obras com o arquiteto. Ex-presidente do IAB-SP, tem trabalhos publicados e expostos no Brasil e no exterior, tendo obtido prêmios em mostras como a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo e no Instituto de Arquitetos do Brasil.
Publicado em 23/05/2014