Livro lançado por arquiteta e urbanista resgata arquitetura do sertão
9 de maio de 2016 |
A arquitetura das edificações do sertão foi retratada no livro lançado pela arquiteta e urbanista potiguar Natália Diniz: Um sertão entre tantos outros (Versal Editores, 336 páginas). Nele, Natália mostra através de textos, fotografias e xilogravuras, o universo sertanejo por meio de uma viagem entre os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Ceará e Piauí. O livro também é fruto de pesquisa realizada ainda na graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo, que se estendeu no mestrado e doutorado realizado pela arquiteta e urbanista na Universidade de São Paulo (USP).
O texto abaixo foi publicado neste domingo (08) no Jornal Correio da Paraíba, escrito pelo jornalista Clóvis Roberto.
A sede da fazenda, o gado, os arreios, a imensidão das paisagens… o sertanejo. E o tempo da riqueza da agropecuária dos idos do século XIX. Uma viagem no tempo e no espaço do interior nordestino. Eis o sertão, ou Um sertão entre tantos outros, livro da potiguar Nathália Diniz, que capta o universo sertanejo em texto, fotografias e xilogravuras com a sensibilidade de quem radiografa suas próprias origens, que identifica mais que objetos e prédios, que uniu o ontem escondido no hoje da região. O mundo impresso apresentado pela autora é fruto de anos de estudos e pesquisas pelos sertões do seu estado natal, o Rio Grande do Norte, e de outros cinco estados nordestinos: Paraíba, Pernambuco, Bahia, Ceará, Piauí.
Sem perceber, Um sertão entre tantos outros é o resultado de uma busca iniciada por Nathália Diniz ainda criança ainda na Fazenda Cabeceiras, na região de Caicó, no Rio Grande do Norte, que pertencia ao tio-avô, onde a futura autora passava alguns dias das férias com da família. “A história desta pesquisa confunde-se com a minha. Tudo começou devido à curiosidade que eu tinha, desde pequena, em relação à Fazenda Cabaceira, que pertencia ao meu tio-avô e onde, com frequência, eu e minha família passávamos alguns dias de férias. Aquele complexo rural, que se constituía de uma casa, de um engenho de rapadura movido à tração animal, de uma casa de farinha movida a braços humanos, de um açude e de alguns currais, causava em mim, ao mesmo tempo, fascínio e estranhamento”, relata Nathália.
A dualidade causada na criança se explicava. “Fascínio, pois me parecia um complexo demasiado grandioso e que, por isso, obrigatoriamente o vinculada a uma riqueza digna de proprietários portadores dos mais altos títulos. E estranhamento porque aquele cotidiano envolvia um esforço de trabalho que não correspondia às expectativas do que seria uma vida aristocrática”, relembra. Apesar do encantamento pela região, a menina Nathália era relutante em relação aos hábitos interioranos. “Continuava sem tomar o leite cru e sem comer da maioria das comidas servidas, além de não me aproximar de nenhum animal do sítio”, frisa.
A curiosidade da vida sertaneja estava guardada como uma semente na jovem que chegou ao curso de Arquitetura e Urbanismo em 2002. Primeiro, através da participação da pesquisa “Inventário de uma herança ameaçada: um estudo de centros históricos do Seridó” e depois, em 2003, durante uma aula, quando o professor exemplificou uma construção e ela identificou como sendo a casa construída pelo fundador da Fazenda Cabaceiras, ou seja, seus parentes. O resultado foi uma aula em campo na propriedade e a influência para a continuação das pesquisas.
Nathália Diniz fez como monografia do final do curso de graduação o estudo para restauração dos edifícios que compunham a fazenda. Em 2005, a autora ingressou no mestrado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) com o projeto de estudar os exemplares rurais do Seridó e quatro anos mais tarde no doutorado, na mesma instituição, sob a mesma temática. Finalmente, em 2013, ela foi contemplada com o Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica Clarival Prado Valladares, após concorrer com outros 200 trabalhos, o que possibilitou a pesquisa e publicação do Um sertão entre tantos outros.
A pesquisa de Nathália Diniz desbrava novamente o sertão. Ela desbrava, a partir do século XVIII, as fronteiras territoriais do Brasil colônia portuguesa, antes restritas às zonas próximas ao litoral. E segue atrás da criação agropecuária, da introdução da escravidão e do afastamento das populações indígenas para os confins da colônia.
A agora doutora amplia os horizontes sertanejos e viaja pelos sertões de seis estados nordestinos para descobrir os vestígios e remontar a região do século XIX e embarca para além-mar, indo a Portugal em busca de mais informações. E encontra semelhanças e diferenças nesses sertões. A similaridade, conta Nathália Diniz, pode ser vista na “história cotidiana parecida, para além das fronteiras dos atuais estados, onde a prática da pecuária extensiva, com gado criado solto em largas extensões desabitadas, em espaço marcado por sucessivas secas foram características determinantes”, enquanto “há perceptíveis diferenças neste Sertão similar, quer seja nos materiais e técnicas construtivas utilizadas nas edificações quanto na culinária, sotaque”.
Um sertão entre tantos outros levou Nathália Diniz a visitar mais de 50 propriedades rurais e viajar mais de cinco mil quilômetros em 45 dias. Foi com intensidade conhecer o sertão e, nessa jornada, a jovem pesquisadora também pode descobrir no interior da Paraíba elementos para compor o seu livro. “Fiquei maravilhada com o sobrado localizado em Belém do Brejo Cruz, um interessante exemplar do final do século XIX, mas que apesar de se tratar de arquitetura rural, possui as feições de um sobrado urbano, em pleno sertão”, conta.
O livro inclui registros interessantes sobre a economia agropecuária dos chamados sertões do Norte no século XIX, como as marcas de ferro, utilizadas para identificar os rebanhos, e sobre a vida cotidiana da região. Além das descrições dos bens de raiz e outros objetos das propriedades, com seus respectivos valores, estão listados os títulos de escravos que estas possuíam.
Um exemplo da extensão do trabalho de Nathália Diniz é a descoberta que em uma das propriedades, por exemplo, apenas quatro dos 14 escravos tinham idade acima de 15 anos. As duas mais jovens, de apenas 3 anos, valiam 40 mil réis, enquanto o mais caro, de 25 anos, custava 150 mil réis e o mais velho, de 30 anos, tinha valor de 130 mil réis.
A viagem ao sertão nordestino de XIX feita pela autora em Um sertão entre tantos outros ainda conta com as fotografias de Almir Bindilatii e xilogravuras de J. Borges que contribuem para o entendimento e como portais entre o passado e o presente da região. O resultado, uma obra de arte.
FICHA TÉCNICA
Livro: Um sertão entre tantos outros
Autora: Nathália Diniz
Fotografias: Almir Bindilatti
Xilogravuras: J. Borges
Editora: Versal Editores
Páginas: 336
Preço: R$ 180
Disponível em livrarias físicas em João Pessoa, mas pode ser adquirido pelo site da editora ou pelo site da Saraiva.
Fonte: Jornal Correio da Paraíba